quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Perceber

O dia passou a ser noite e você nem percebeu. As luzes coloridas da cidade ascenderam e você nem percebeu. O cartão de crédito pagou por um novo vestido branco e você nem percebeu. O tempo passou. E você nem percebeu.
Até que alguém berra nos seus ouvidos: "25???????? Caraca, muito velha!" E você percebe. A euforia da proximidade do aniversário é substituída pelo pânico da idade. O que, na verdade, é uma besteira já que envelhecemos a cada minuto. Não é no dia do aniversário que, de repente, ficamos um ano mais velhos. Mas, talvez seja esse o dia que percebemos.
Todos ansiosos por uma comemoração. Um quarto de século. Sempre é bom ter um motivo para reunir os amigos mais próximos e encher a cara de cerveja. Sem nem perceber, estamos bêbados. Sem nem perceber a noite passou. E o fim-de-semana. O mês. E daqui a pouco um outro aniversário.
Tudo assim: num passe de mágica. Sem nem percebermos. As coisas mudam tão rápido, que nem percebemos. Onde era o Parque da Mônica virou a Vale. Onde era o cinema virou igreja, ou farmácia. Onde era uma linda casa, virou um edifício de 30 andares. Onde era uma criança, virou uma adulta.
As tardes livres, as aulas de inglês, de ginástica olímpica, as brincadeiras no play, as amiguinhas em casa. Tudo isso virou um dia inteiro de trabalho, pós-graduação à noite, cuidados com saúde, beleza e afazeres domésticos. E eu nem percebi. Aposto que você também não.
Nem percebemos e tudo acontece num ritmo que não conseguimos acompanhar. Tudo muda, tudo se renova. Nunca estamos up to date. Sem nem perceber, vou estar mais gorda, o peito mais caído, a pele mais maltratada. Sem nem perceber, vou olhar uma fotografia e pensar que com 25 eu não percebia o quanto era jovem.
Vamos aproveitar tudo. Nada de preguiça. Nada de dormir por horas. Nada de televisão. Somos jovens enquanto vivermos. Porque, sem nem perceber, a vida acabou.

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Estalo

E disse algumas coisas ontem, acreditando realmente nas minhas palavras. Vai fazer um “crec” e eu vou morrer de rir. Talvez me irrite um pouco e me bata, me dê uns tapas para sentir dor. Mas aí será uma dor gostosa de sentir, uma dor de vitória, de alívio, de passado, de futuro. E esses tapas serão mais educativos do que os socos que me dei ontem por ser tão idiota. Queria sentir a dor merecida do castigo. Queria me martirizar por querer algo tão horrível. E ai, soquei a mim mesma. Percebendo, em uma fração de segundos depois, o quanto isso é não-normal. Mas afinal, alguém aí é normal?
Enfim, eu não sou. E mostro minha doença nos desejos proibidos pelo amor-próprio. Nas fantasias que a auto-estima, há muito destruída, tenta bloquear. Na força de vontade que não existe, mas que o peso na consciência tenta inventar. Preciso acreditar que não quero para depois realmente não querer. Preciso abrir. Abrir a porta. Abrir a cabeça. Abrir o coração. Abrir a vida. Fechar uma porta e abrir várias. Mas preciso abrir.
Peço ajuda para amigas que, com pena, dizem que a única pessoa que pode me ajudar sou eu mesma. Como se eu não soubesse, continuo pedindo ajuda, numa tentativa de tirar a culpa de mim mesma. Esquecer que o erro sou eu. Elas me ouvem, com toda atenção. E me ajudam, ao me dar carinho. E esse carinho balanceia com a falta de carinho recebida do outro lado. Busco atenção porque confesso estar precisando de abrigo.
O banheiro da empresa virou meu melhor amigo. É ele que seca minhas lágrimas, nos incontáveis pedaços de papel arremessados no cesto de lixo. Um jogo de basquete individual, que tenta me distrair. Ultimamente tudo tem sido individual. E isso, talvez, seja uma opção minha. Mas aí vem a estória do “crec”.
Um dia vai dar um estalo e eu não vou querer lembrar desses 2 anos. Vou preferir esquecer meus dois últimos aniversários, natais e réveillons. Vou querer esquecer dos sábados e domingos. Na verdade, vou querer esquecer também as segundas, terças, quartas, quintas e sextas. Vou querer esquecer o cheiro, a pele, os dedinhos de neném. Vou querer esquecer as seqüências de sexo, essas quase inesquecíveis. Vou preferir esquecer daquele que foi a maior paixão da minha vida. Mas, de uma coisa eu nunca esquecerei: meu pai me ensinando, antes das minhas primeiras palavras, que paixão é doença.
Te amo pai, mas, infelizmente, essas coisas não se aprendem.